Deliberação da Assembleia Geral da Ordem dos Advogados n.º 822/2020, de 30 de junho
Mediante proposta do Conselho Geral, a Assembleia Geral da Ordem dos Advogados (OA) deliberou aprovar, em 30 de junho de 2020, o Regulamento da Ordem dos Advogados sobre a prevenção e combate ao branqueamento de capitais[1] e financiamento do terrorismo[2] (anexo à Deliberação n.º 822/2020, de 30 de junho, publicada, na 2.ª série, Parte E, do Diário da República, em 21 de agosto de 2020), doravante Regulamento.
Por via do referido Regulamento, a OA enquanto pessoa coletiva de natureza pública e uma das entidades setoriais obrigadas a garantir o cumprimento das normas legais em vigor sobre a matéria da prevenção e combate ao branqueamento de capitais, procede à regulamentação do quadro legal estabelecido na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto[3], doravante Lei - entretanto alterada pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto[4].
Encontrando-se em vigor desde o dia 11 de setembro de 2020, o Regulamento da OA tem como propósito conferir certeza e segurança na atuação profissional dos Advogados, em absoluto cumprimento dos deveres a que se encontram legalmente adstritos ao nível da prevenção de situações de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo com as quais possam ser confrontados, uma vez que sobre estes incide um alto risco, segundo entendimento do Grupo de Ação Financeira (GAFI – Financial Actions Task Force)[5].
Assim, a especificidade da advocacia, o equilíbrio entre os deveres legais em causa e o respeito primordial devido ao segredo profissional, à relação de lealdade com os cidadãos que procuram a tutela dos seus interesses, simbolizam a orientação deste Regulamento.
Por esse motivo, as disposições da Lei e do Regulamento são extensíveis a todos os Advogados, independentemente de exercerem atividade em prática individual ou em sociedade de Advogados[6], sendo que o seu cumprimento e fiscalização cabem à OA, através do seu Bastonário, sem prejuízo da competência legal de outros órgãos da OA, nos termos do respetivo Estatuto[7].
Nos termos do Regulamento, os Advogados estão sujeitos ao cumprimento dos seguintes deveres : (i) identificação –obtendo um conjunto de informações relativas ao seu cliente ou possível cliente[8][9]; (ii) exame e diligência – reforçando os meios de análise da situação e obtenção de esclarecimentos complementares, quando haja suspeita que determinada operação seja apta a servir a situação de branqueamento de capitas ou financiamento de terrorismo[10]; (iii) comunicação de operações suspeitas – existindo conhecimento ou suspeita devidamente documentada[11]; (iv) abstenção – de agir profissionalmente face a qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou previstas como de materialização futura, que saibam ou que fundadamente suspeitem estar conectadas a fundos ou bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo[12]; (v) cooperação – para com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária[13]; e conservação e aquivo – dos elementos de informação recolhidos para o efeito do cumprimento da Lei e do Regulamento, bem como das comunicações a que houver lugar e respetiva correspondência[14].
Com particular interesse, destaca-se o dever de comunicação de operações, que se traduz na obrigação do(s) Advogado(s) comunicar(em) ao Bastonário da OA as situações em que saiba(m), ou suspeite(m), quando devidamente documentadas, de que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo, mesmo quando se trate de tentativa de operação[15].
As operações suscetíveis de comunicação ao Bastonário da OA, nos termos atrás referidos, são as seguintes:
a) permuta, e compra e venda de bens imóveis, estabelecimentos comerciais, ou participações sociais;
b) gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos pertencentes a clientes;
c) abertura e gestão de contas bancárias, de poupança, ou de valores mobiliários;
d) criação, exploração ou gestão de empresas, sociedades, outras pessoas coletivas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, que envolvam determinadas atividades;
e) alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de atividades desportivas profissionais;
f) outras operações financeiras ou imobiliárias, em representação ou em assistência do cliente[16];
Assim, verificando-se alguma(s) das operações suprarreferidas, o(s) Advogado(s) deverá(am) reportar ao Bastonário da OA que, por sua vez, remeterá a comunicação para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal e a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, em cumprimento das normas plasmadas no Estatuto da Ordem dos Advogados[17].
O Regulamento em análise exclui, contudo, do seu âmbito de aplicação determinados atos dos advogados por não integrarem o âmbito de previsão da Lei, nomeadamente:
a) atos de consulta jurídica ou de emissão de pareceres;
b) atos de patrocínio forense e de representação judiciária, independentemente da jurisdição onde se pratiquem ou devam ser praticados os atos processuais, incluindo em comissões ou tribunais arbitrais;
c) informação obtida do cliente ou de terceiro visando a prática dos atos referidos nas alíneas antecedentes, antes, durante ou após a intervenção em processo mediante representação judiciária ou patrocínio forense[18].
Destaca-se, ainda, no caso particular das sociedades de advogados, a necessidade de ser por estas designado um advogado interlocutor junto do Bastonário da OA, adstrito a zelar pelo cumprimento dos deveres previstos na Lei e no Regulamento, assegurando as funções que lhe são inerentes enquanto responsável pelo controlo do cumprimento do quadro normativo em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, nos termos do artigo 16.º da Lei[19].
Por outro lado, e no âmbito do dever conservação e aquivo salienta-se a natureza confidencial das comunicações e correspondência obtidas em cumprimento do Regulamento, bem como da documentação respetiva, encontrando-se adstritos ao dever de confidencialidade todos os que tomarem contacto com as mesmas, incluindo outros Advogados, sócios de sociedades de Advogados, colaboradores e trabalhadores, independentemente da natureza do vínculo social ou laboral[20].
Salienta-se, por fim, que a violação dos deveres previstos na Lei e no Regulamento, pelo Advogado, representa uma infração de natureza disciplinar, punível em conformidade com o Estatuto da OA[21]
Lisboa, março de 2020.
[1] O branqueamento de capitais traduz-se no processo pelo qual os autores de atividades criminosas encobrem a origem dos bens e rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, transformando a liquidez proveniente dessas atividades em capitais reutilizáveis legalmente, por dissimulação da origem ou do verdadeiro proprietário dos fundos, podendo englobar três fases: i) colocação: os bens e rendimentos são colocados nos circuitos financeiros e não financeiros (ex. depósitos em instituições financeiras ou de investimentos em atividades lucrativas e em bens de elevado valor); ii) circulação: os bens e rendimentos são objeto de múltiplas e repetidas operações (ex. transferências de fundos), com o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, eliminando qualquer vestígio sobre a sua proveniência e propriedade; e iii) integração: os bens e rendimentos, já reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos, mediante a sua utilização (ex. aquisição de bens e serviços, compra de imóveis, compra de metais preciosos, entre outros).
O branqueamento de capitais constitui um crime contra o património e está previsto no artigo 368.º-A do Código Penal, sendo que o bem jurídico protegido é a boa aplicação da justiça, na sua vertente da perseguição e confisco pelos tribunais dos proventos das atividades criminosas e ainda a estabilidade e a sanidade dos circuitos económicos, financeiros e políticos.
[2] Em articulação com o quadro preventivo do branqueamento de capitais, foram adotadas medidas legislativas que facilitam a deteção, a prevenção e a supressão do financiamento do terrorismo, reduzindo as possibilidades de acesso ao sistema financeiro internacional dos autores de atos de terrorismo, de organizações e grupos terroristas e dos seus financiadores. No ordenamento jurídico português, a qualificação do financiamento do terrorismo como crime autónomo consta do artigo 5º-A da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto.
[3] A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente para o ordenamento jurídico português, a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e a Diretiva 2016/2258/EU, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, alterando o Código Penal e o Código da Propriedade Industrial, e, revogando a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho.
[4] Transpõe a Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva (UE) 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e a Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativa ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal, alterando diversas leis.
[5] O Grupo de Ação Financeira (GAFI) é um organismo intergovernamental que tem como objetivo desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais, de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, designadamente, (i) emitindo recomendações destinadas a prevenir e a reprimir esses crimes, consideradas standards internacionais nestas matérias, (ii) promovendo a avaliação mútua da observância desses standards (iii) determinando contramedidas relativamente às jurisdições com deficiências relevantes e (iv) identificando novos riscos e metodologias de combate a estas atividades criminosas.
[6] Cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea f) da Lei e artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento.
[7] Cf. artigo 89.º, n.º 1, alínea f) da Lei e artigo 2.º do Regulamento.
[8] Cf. artigo 7.º do Regulamento e artigo 23.º da Lei.
[9] Tendo sido aprovados pelo CG da OA formulários para Advogados (em prática individual) e para as Sociedades de Advogados, disponíveis aqui e aqui, respetivamente. As cópias dos formulários, devidamente preenchidos e assinados pelo(s) Advogado(s) e pelo(s) Cliente(s), e dos elementos de comprovação dos mesmos são arquivados, pelo(s) Advogado(s), em arquivo seguro e confidencial.
[10] Cf. artigo 8.º do Regulamento e artigos 23.º e 52.º da Lei.
[11] Cf. artigo 9.º do Regulamento e artigo 43.º da Lei.
[12] Cf. artigo 10º do Regulamento e artigo 47.º da Lei.
[13] Cf. artigo 11.º do Regulamento e artigo 53.º da Lei. Note-se que nas situações previstas nos artigos 43.º e 47.º, n.ºs 2 e 3 da Lei, o dever de cooperação apenas deve ser efetuado através do Bastonário.
[14] Cf. artigo 12.º e artigo 51.º da Lei.
[15] Cf. artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento.
[16] Cf. artigo 3.º do Regulamento.
[17] Cf. artigo 13.º do Regulamento.
[18] Cf. artigo 4.º do Regulamento.
[19] Cf. artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento.
[20] Cf. artigo 9.º, n.º 1 do Regulamento.
[21] Por violação do artigo 88.º do Estatuto OA.
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