O Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do Acórdão datado de 25 de março de 2021 debruçou-se sobre um tema há muito levantado pela doutrina, o carácter de permanência como requisito essencial na qualificação de Contrato de Suprimentos.
No caso que deu origem ao Acórdão em análise, uma sociedade com sede na Irlanda, em 1999, concedeu dois financiamentos a uma sociedade anónima com sede em Portugal, sem qualquer contrato escrito e sujeitos ao pagamento de juros trimestrais. A sociedade irlandesa detinha apenas 1% do capital social da sociedade portuguesa. Em junho de 2003, os serviços de inspeção tributária da Administração Tributária (AT) procederam a uma ação de inspeção a qual concluiu pela liquidação de Imposto do Selo sobre os financiamentos efetuados. A AT considerou que estavam em causa verdadeiros contratos de mútuo e não de suprimento, pelo que os mesmos não estariam isentos do pagamento do Imposto de Selo.
O Acórdão em análise reproduz um segmento da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa o qual, a par da AT, entendeu que os financiamentos prestados à sociedade pela sócia residente na Irlanda subsumem-se à natureza de contrato de mútuo e, como tal, estão sujeitos a tributação em sede de Imposto de Selo.
O Tribunal Tributário de Lisboa fundamentou a sua Decisão com base nos seguintes pontos:
a) Diminuta participação social da entidade residente na Irlanda na sociedade, tendo sido considerada como mera “investidora”;
b) Não demonstração do carácter de permanência do empréstimo por falta de estipulação de um prazo de reembolso, quer contemporânea da constituição do crédito, quer posterior a esta.
A sociedade portuguesa não sufragou o entendimento do Tribunal Tributário de Lisboa relativamente à classificação do contrato celebrado como Contrato de Mútuo, tendo, por seu turno, interposto recurso junto Tribunal Central Administrativo Sul daquela Decisão.
Ora, analisando a questão, é necessário, em primeiro lugar, referir que a função desempenhada pelo Contrato de Suprimentos, é a de financiar a sociedade, pelo que apenas se admite essa analogia em relação a acionistas que detenham pelo menos 10% do capital social, porque será apenas a partir desta proporção que se exprime o interesse societário ou empresarial do acionista, para o efeito dos Contratos de Suprimentos.
Em relação à qualificação do Contrato celebrado, remetemos desde logo para a lei, segundo a qual o contrato de mútuo é aquele pelo qual uma das partes empresta a outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.[1]
Ainda nos termos da lei, o contrato de suprimento é aquele pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito tenha carácter de permanência.[2]
Acresce que, constituem indicadores desse caráter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja tal estipulação contemporânea da constituição do crédito ou posterior a esta, e a não utilização da faculdade de exigir o reembolso do crédito à sociedade durante pelo menos um ano a contar da sua constituição.
Ora, o douto Tribunal Central Administrativo Sul considerou que, na ausência de um destes índices, havia necessariamente que presumir o carácter de permanência e, consequentemente, a ocorrência de um contrato de suprimento, presunção que aproveita a quem precise de provar que foi esse o contrato celebrado.
Acrescentando o referido Tribunal que, “nem as referidas fichas, nem as notas de débito, emitidas pela sociedade acionista respeitantes ao recebimento de juros são aptas a demonstrar o carácter de permanência dos empréstimos em apreço, por falta de estipulação de um prazo de reembolso, quer contemporânea da constituição, quer posterior.”
Assim, perante o exposto, concluímos que, no caso de financiamentos por sócios e sociedades, será necessário a existência de prova concreta e clara de índices do carácter de permanência e, sem esta, os financiamentos concedidos devem ser qualificados como mútuos e devidamente tributados em sede de Imposto de Selo.
Lisboa, 19 de maio 2021.
[1] Conforme resulta do artigo 1142.º do Código Civil.
[2] Conforme resulta do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais.
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