A alínea b) do n.º 6 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais
A redação da alínea b) do n.º 6 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) a que reportamos foi introduzida pelo Decreto Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, logo a figura não é recente, mas tal como ditado popular não nos deixa esquecer – “a necessidade aguça o engenho”. E a realização de Assembleias Gerais (AG) com recurso a meios telemáticos[1] nunca foi tão necessária como agora.
A figura encontra-se prevista no artigo referido, que estabelece ainda a disciplina que lhe é aplicável.
Posto isto, deixamos algumas notas a ter em conta na hora de optar pela realização de Assembleias Gerais com recurso a este modelo, na expectativa de que estas sirvam como incentivo à utilização desta figura num momento e que as sociedades comercias começam a preparar as suas Assembleias Gerais Anuais[2].
Vejamos:
i) O modelo é aplicável aos dois principais tipos societários:
Conforme resulta expresso da remissão contida no n.º 1 do artigo 248.º do CSC, aplicam-se às sociedades por quotas (SQ) o disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas (SA). Logo, o artigo 377.º aplica-se diretamente às Sociedades Anónimas e por remissão às Sociedades por Quotas.
ii) O recurso a este meio depende da inexistência de proibição no contrato de sociedade:
A primeira parte da norma em apreço é clara neste imperativo[3]. Se o contrato de sociedade[4] proibir, a Sociedade não pode fazer uso deste mecanismo.
A prática diz-nos que esta proibição é raras vezes considerada na hora da elaboração dos estatutos.
iii) Recurso a um modelo misto:
Estas AG podem ocorrer exclusivamente com recurso a meios telemáticos ou com recurso a um modelo misto – neste caso uma parte dos sócios/acionistas estaria reunida presencialmente e os restantes on-line. Não obstante da leitura da regra não resultar expressamente esta possibilidade acreditamos que esta é a hipótese que garante a maior representatividade dos sócios/acionistas.[5]
iv) A Sociedade deve assegurar a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações:
Por aplicação desta parte do preceito, o membro que se encontre encarregado de dirigir os trabalhos[6] da AG assume neste modelo uma função desafiante, uma vez que é sobre ele que recai esta responsabilidade.
Assim sugere-se que seja feito o uso do vídeo para que seja possível garantir a qualidade de todos os presentes[7] bem como a autenticidade das declarações.
v) O registo da Assembleia:
A última parte do artigo estatui quanto à necessidade de se fazer o registo da Assembleia que ocorra através destes meios.
Sempre se poderia dizer que este registo seria garantido através da Ata da Reunião[8], no entanto não é essa a leitura que tem sido feita do preceito.
Este registo tem sido entendido como a efetiva “gravação”[9] da AG.[10]
vi) A Ata:
O registo que se refere no ponto anterior não é alternativo ao registo em ata pelo que, ambos devem ser assegurados.
Nestes termos, a ata é elaborada como tradicionalmente[11] e a única especificidade desta está na sua assinatura.
Assim, em conformidade com o artigo 4.º-A do CSC consideram-se cumpridas as formalidades de documento assinado quando a assinatura manuscrita seja substituída por assinatura eletrónica.
Em conclusão:
1. Chegado o momento de preparar a assembleia geral anual e, tendo em conta o contexto atual que se vive derivado da pandemia Covid 19, o recurso ao uso de meios telemáticos apresenta-se como o modelo mais seguro;
2. Este modelo deve garantir a participação e intervenção dos sócios nos mesmos termos como se estes estivessem reunidos presencialmente.
3. Verificado o cumprimento dos dispositivos legais já aplicáveis em sede das AG presenciais, os requisitos que acrescem no modelo com recurso a meios telemáticos estão nos dias de hoje muito facilitados pelas funcionalidades que as próprias plataformas de comunicação oferecem aos seus utilizadores.
Lisboa, 19 de fevereiro de 2021.
[1] A expressão sugere uma ligação entre outros dois vocábulos “telecomunicação” e “informática”.
[2] Por regra, as mais participadas.
[3] “As assembleias são efetuadas, salvo disposição em contrário no contrato de sociedade, através de meios telemáticos […]”.
[4] Expressão que o código usa algumas vezes com o mesmo sentido que “estatutos”.
[5] Imaginem-se aquelas situações em que um dos sócios, por qualquer razão alheia à sociedade não tem acesso aos tais meios telemáticos. A hipótese de um modelo misto garante assim a representação de todos os sócios.
[6] O Presidente da Mesa da Assembleia Geral no caso das SA, ou o sócio presente que reúna maior percentagem de capital no caso da SQ.
[7] Recorde-se que por princípio só participam nas AG os Sócios.
[8] Cfr. previsto pelo artigo 63.º do CSC.
[9] Mecanismo já garantido por várias das plataformas disponíveis no mercado.
[10] Por forma a articular esta exigência com as disposições do Regulamento Geral da Proteção de Dados, no início da reunião o membro responsável por a conduzir informa os presentes que está obrigado por lei à gravação da mesma.
[11] Em observância das disposições constantes do artigo 63.º do CSC.
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